Comentário ao Evangelho do dia feito por São Gregório Magno (c. 540-604), papa e doutor da Igreja.
Homilias sobre os evangelhos, nº27; PL 76, 1204
Evangelho de hoje, 27 de maio de 2011: João 15,12-17.
«É este o Meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei»
Todas as palavras sagradas do Evangelho estão cheias de mandamentos do Senhor. Então, porque é que o Senhor diz que o amor é o Seu mandamento? «É isto o que vos mando: que vos ameis uns aos outros». É que todos os mandamentos procedem exclusivamente do amor, todos os preceitos são apenas um, e assentam sobre o fundamento único da caridade. Os ramos de uma árvore vêm da mesma raiz; de igual modo, todas as virtudes nascem exclusivamente da caridade. O ramo de uma boa obra não permanece verde quando esta se desliga da raiz da caridade. Os mandamentos do Senhor são pois múltiplos, e ao mesmo tempo são um só – múltiplos pela diversidade das suas obras, um na raiz do amor.
Como manter este amor? O próprio Senhor o dá a entender: na maior parte dos preceitos do Evangelho, ordena aos Seus amigos que se amem n'Ele, e amem os seus inimigos por causa d'Ele. Aquele que ama o seu amigo em Deus e o seu inimigo por causa de Deus possui a verdadeira caridade.
Há homens que amam a sua família, mas só por causa dos sentimentos de afeto que nascem da ligação natural. [...] As palavras sagradas do Evangelho não fazem nenhuma recriminação a esses homens. Mas o que se atribui espontaneamente à natureza é uma coisa, o que se deve pela obediência à caridade é outra. Os homens de que tenho estado a falar amam sem dúvida o seu próximo [...], mas segundo a carne e não segundo o espírito. [...] Ao dizer: «É este o Meu mandamento: que vos ameis uns aos outros», o Senhor acrescentou imediatamente: «como Eu vos amei». Estas palavras significam claramente: «Amai pela mesma razão por que Eu vos tenho amado.»
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Como entender este mandamento de Jesus?
Até alguns anos atrás, apresentei enorme dificuldade para entender e compreender esta passagem do Evangelho, pois até então, para mim, o gostar era uma coisa espontânea, que nascia do íntimo de cada pessoa. Se eu não gostasse de uma pessoa, como poderia amá-la incondicionalmente? Para mim “amar” e “gostar” queriam dizer a mesma coisa.
Entretanto, em certa ocasião assisti a uma palestra, em que o tema era exatamente o amor. Tratava-se de uma palestra que você tinha que assistir por estar num determinado evento e como o tema não era nada original, não dediquei muito interesse a ela. Recordo-me do milagre, mas não do santo, isto é, me recordo da fala do palestrante, mas não me recordo seu nome e nem o evento, o que demonstra quão pequeno era o meu interesse.
E por que ficou em mim a recordação da fala do palestrante se eu não me interessei pelo assunto? Só posso dizer que talvez seja a ação transcendental que tinha algum objetivo ao me fazer gravar nas gavetas da memória o assunto daquela palestra. Aqui passei a entender a história da "semente plantada".
Dizia aquele palestrante que “gostar” e “amar” são duas coisas distintas! O gostar de alguém pode e geralmente desemboca em “amar”. Mas o “amar” pode existir sem que você goste da pessoa e mesmo sem que você conheça a pessoa!
Aí pensei – Ele está falando “abobrinha”!
Mas ele continuou: - Você que namora, é noivo ou casado, um dia “gostou” de sua companheira, certo? Com o passar do tempo, esse “gostar” foi se transformando em algo mais profundo, até que chegou a ser amor. Hoje você diz a ele ou ela, com a maior desenvoltura e do fundo de seu coração: Eu te amo! Mas, um dia, você apenas “gostou”.
- Você “gosta” do seu carro, da sua casa, do seu televisor de 40 polegadas? Claro que “gosta”, senão não os teria comprado! ... Mas você “ama” seu carro, sua casa, seu televisor? Não, claro que não! Você apenas “gosta”. Amanhã você certamente vai trocar seu carro por um mais novo e certamente vai também “gostar” dele; sua casa poderá ser trocada por uma mais nova, ou mais bem localizada; sua televisão por uma mais moderna! E você vai “gostar” das novas aquisições, mas jamais vai “amá-las” e sabe que poderá trocá-las por outras quantas vezes quiser ou puder.
- Falei de namoro, noivado e casamento. Com que facilidade se troca hoje de companheiro/companheira, de marido e de esposa! Quem faz essas trocas, na realidade não “ama”, apenas “gosta”!
Não sei se deu para perceber, mas fica evidente que o “gostar” independe da nossa vontade, O “gostar” nasce do íntimo da pessoa, sem que a vontade atue!
Você pode até dizer: “não gosto mais, por exemplo, do “Honda Civic”, não realmente porque não goste do carro, mas porque não pode comprá-lo (é o meu caso). Então me contento com meu “poisé” e digo que gosto dele. Mas, no fundo, eu gosto mesmo é do carrão e nada vai mudar este sentimento, até que eu passe a gostar de outro carro ou de outro modelo. (Ultimamente, ando namorando o C4 Pallas – meu gosto está mudando sem que eu faça qualquer esforço neste sentido).
Ora, na passagem do evangelho de João são estas as palavras de Jesus: “É este o Meu mandamento: que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei”.
E São Gregório completa: “Estas palavras significam claramente: «Amai pela mesma razão por que Eu vos tenho amado.»”.
Depois Jesus complementa: “como Eu vos amei”. O amor de Jesus é incondicional, gratuito e não exige reciprocidade.
São Gregório nos diz que: “Há homens que amam a sua família, mas só por causa dos sentimentos de afeto que nascem da ligação natural. [...] As palavras sagradas do Evangelho não fazem nenhuma recriminação a esses homens. Mas o que se atribui espontaneamente à natureza é uma coisa, o que se deve pela obediência à caridade é outra.” (Grifei)
Já deu para perceber então que o “amar” de Jesus não nasce espontaneamente de uma relação ou ligação natural. O “amar” de Jesus nasce da vontade, da obediênca ao seu mandamento, da caridade.
Quer isto dizer que para “amar como Jesus amou” eu tenho que querer praticar este “amor”. Eu tenho que querer “amar” a humanidade, “amar” ao meu próximo, “amar” o não tão próximo e até mesmo àqueles que não me amam ou não gostam de mim.
Ah, como é difícil isto!
E realmente é muito difícil! Este “amar” não pressupõe que você tenha sequer que estar próximo ou mesmo conhecer. Supõe apenas e tão-somente que “nós amamos todas as pessoas, independente de serem, a nosso juízo, boas ou más”; independentemente de as conhecermos ou não! E até independentemente de serem nossos desafetos, adversários ou inimigos!
De tal forma que possamos dizer a quem quer que seja que nos tenha ofendido, agredido, caluniado, difamado... eu te perdoo meu irmão, porque te amo em Cristo e com Cristo!
Este amor está descrito de forma maravilhosa por Paulo em sua Primeira Carta aos de Coríntios, no capítulo 13, 1-13. Lá, ele chama o “amor” que Jesus nos mandou praticar de “caridade”.
E ele diz que se eu não tiver caridade, nada serei; ou, se eu não tiver “amor”, nada serei!
Vontade de amar – eis o grande segredo para acabar com todos os males da humanidade e que Jesus, há quase dois mil anos nos ensinou e nós até agora não aprendemos... Opa, estou generalizando!
Na verdade, muitos aprenderam e praticaram o amor que Jesus ensinou: Madre Teresa, Irmã Dulce, Dona Zilda Arns, Ghandi, Luter King, Dom Romero, Irmã Dorothy, Dom Helder Câmara, São Francisco de Assis... e muitos, muitos outros.
Mas estes muitos são poucos se compararmos com a humanidade toda. É bem verdade que existem muitas pessoas anônimas que aprenderam e praticam este “amor”. E muitos que convivem conosco também o fazem. Mas temos que reconhecer, com profunda tristeza, que não são tantos quantos deveriam... Se fosse talvez o dobro, não veríamos tantas injustiças acontecendo. Mas, por outro lado, temos que dar graças por esses poucos, pois são eles que ainda mantém um certo equilíbrio na humanidade, para que ela não descambe definitivamente para caos e a auto-destruição.
Pois bem, muito tempo depois daquela palestra foi que aprendi o que quer dizer “amar como Jesus amou”; a amar incondicionalmente, e entendi um pouco melhor o poema do Apóstolo Paulo.
Digo um pouco melhor porque ainda não consegui ser inteiramente “amante da humanidade”; apesar de ter entendido que o “amar de Jesus” depende, única e exclusivamente da minha própria vontade, ainda não consegui exercitá-lo por inteiro. E me penitenciou por isso... Piedade Senhor!
... Eu quis aqui apenas compartilhar esta reflexão pessoal, e percebam que é uma reflexão que já dura alguns anos e ainda não consegui absorvê-la completamente. Para mim, isto se tornou como que um exercício, que devo praticar diuturnamente para um dia, talvez, chegar à perfeição... Acho, sinceramente, que nunca vou atingir esta perfeição, mas como um atleta, alimentado pelo Pão da Eucaristia, fortalecido pela Palavra, ungido e massageado pelo óleo do Crisma e assistido por um Técnico que está ao meu lado em todos os momentos de minha vida, sigo em frente... Apesar das pedras e dos obstáculos, apesar das caídas e recaídas... Vou caminhando... Nesta estrada que Deus vai me abrindo e que se chama Vida... E um dia se chamará Vida Plena.
Gazato
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